terça-feira, 9 de abril de 2013

T. I.



Duas horas da madrugada de um domingo. A tampa do computador portátil acaba de quebrar, impedindo que a tela fique aberta. Duas opções: desistir ou apoia-lo na parede atrás da escrivaninha. Nível de conforto para digitar com mãos esticadas e corpo arqueado: zero.

Segunda – Feira. Na busca do navegador, lojas de computadores na cidade. A lista é curta. Não, não trabalhamos com notebook ou somente com formatação. Penso em desistir. Técnicos de computadores são todos filhos da puta, sem exceção.

Levar um computador para consertar é sempre uma experiência traumática. Os técnicos reconhecem que seu conhecimento é maior que o do cliente e fazem questão de produzir um abismo de superioridade, normalmente, tratando qualquer defeito como um pequeno problema simples. Uma maneira de dizer que você, cliente, é um estúpido por não saber como resolver.

Há dois anos tive o mesmo problema da tampa quebrada. Mas, em outra cidade, fui até uma loja de informática que já conhecia. Talvez fosse mais fácil ligar para esta loja, encomendar a peça e pedir a montagem em um final de semana próximo. Peguei o telefone e novamente consultei a busca online.

Olá, sou um cliente da loja e tive um problema com a tampa do meu notebook. Da outra vez vocês que encomendaram a peça para mim.

- Me informe seu nome.

Informo soletrando as letras do sobrenome. Vejo-o no telefone rindo de mim. São todos desgraçados.

- Localizei o cadastro. É um notebook Dell, modelo Latitude?

- Sim, exatamente. Precisaria encomendar outra tampa pois aconteceu o mesmo problema.

- Perfeito. Traga aqui para verificarmos e encomendamos.

A princípio, imaginei que o vendedor tivesse se expressado mal. Perguntei-lhe novamente o que tinha dito, mas ele repetiu as mesmas palavras.

- Como assim?

- Precisamos ver o computador antes.

A mesma sensação de derrota de uma hora atrás tinha me atingido. Eu mandaria-o a merda se isso adiantasse.

- Mas não estou te dizendo o problema dele? É encomendar a mesma peça e me ligar quando chegar para que efetuem a troca.

- É uma norma da empresa averiguar o computador antes de qualquer pedido.

- ...

- Senhor?

- ... bom.

Eu teria desligado o telefone se tivesse uma opção. Tentei argumentar, localizando seu bom senso.

- Eu não posso ficar sem meu computador, é o único que tenho e trabalho com ele. Tenho uma tese para fazer – pensei em gritar diversas vezes as mesmas frases na esperança que o protocolo mudasse.

Emtão, há alguns dias o pc está aleijado, entortando-me junto pela posição ruim. Vou para a cama, pego um caderno e começo a rabiscar um conto manualmente. Três parágrafos e as mãos latejam. Insisto e a caligrafia parece um bêbado no meio fio. Desde quando desaprendi a escrever com minha própria letra? Penso no técnico, na loja, nem repito os xingamentos pois já se tornaram um mantra.

Desisto da cursiva e volto ao computador. Posiciono a cadeira no melhor ângulo possível mas as costas gritam debaixo da pele. Mais um pouco, peço, aguente mais alguns dias. Mas estou impassível. Amanhã, prometi a mim mesmo, procurar outras lojas do ramo.

Sei que o computador ficará assim alguns meses até que eu tome uma decisão. Enquanto isso, vou rabiscando bobagens com raiva pela situação ruim de escrever um texto sem o local adequado. Tudo bem, no final de semana eu levarei na loja. Talvez eu veja um novo computador reserva. Um desses mais baratos para emergências. Talvez, eu gostaria de ser um milionário excêntrico que, a cada defeito do computador, jogasse-o no chão com um pouco de alcool e deixasse-o queimando enquanto gritasse frases incentivadoras como queime, desgraçado, queime. Para, em seguida, ligar outro novo em folha.

Enquanto isso, meu amigo manco e eu produzimos. Ainda que em letras tortas.

03 de Abril de 2013

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