sábado, 24 de abril de 2010

A Língua de Judas



Hoje ela é farrapos do que foi outrora. Sutilmente caminha na linha entre a mesura de dizer "sim, amor" e "eu te amo", repleto de paixão. As palavras são apenas ecos de meias verdades. Cristos talhados em madeiras mas ocos por dentro, cheios de chumbo. O peso da culpa em sua cabeça que pesa, como o mesmo martírio de Cristo, pregos fictícios e parede de lamentações.

Não dúvido que daqueles lábios as palavras que saem, bem como os sussuros, possam carregar amor. Mas ao olhar de perto, com olhos atentos, há veneno de sua natureza.

Fui eu quem a concebi, minha bela amada. Seemeei o fruto que mordeu lívida, lambendo os dedos com tanto prazer o gosto. Que violenta prostrou-se diante de mim e, em súplica, pediu que eu a lhe fizesse de chama. A mesma mulher que coloquei para dormir após o banho. De rosto infantil, como se vivesse feliz na história de Peter Pan.

Agora como pode exaltar tanto pudor? Eu que lhe fiz viva na madrugada, com meus olhos vis. Não me abandone, amada. Os mesmos passos que dei perante ao teu abismo, foram o que deste perante ao meu. E frente aos nossos precipícios escolhemos a queda mais leve. Não mortal, mas tão profunda quanto a dor da morte.

Percorro suas veias, dentro da alma, saltando nos olhos. Fui eu que lhe fiz de Judas e muita prata tenho para cunhar suas moedas. E com o beijo que deixa em minha face, te entregas como sutil traidora.

13 de Novembro de 2009

terça-feira, 6 de abril de 2010

Fragmentos do Tempo


Ela me perguntou o que fazer com os cacos quebrados. "Faça um vitral", eu disse. Crie um relicário desse amor, como cinismo do enredo, para que não esqueça que estes pedaços, outrora inteiros, fizeram parte de ti.

Os olhos tornaram-se mais profundos, prévia de lágrimas, me dizendo que as pontas afiadas cortavam. "Tudo machuca", respondi. "Eis a façanha de ser mortal, mas mutável. A pele ajusta aos cortes e, em pouco tempo, passam". E, sem jeito, segurei uma de suas mãos pela primeira vez e beijei as pontas, como quem beija carinhosamente uma criança.

Em meu braço mostrei minha cicatriz, "feita em tempos em que machucar era minha punição".
Hoje é quase imperceptível. Se não olho para meu corte, passaria tempos sem lembrar. Sua reação manteve se a mesma.

Meu lamento era que, mesmo que o desejo fosse alto, chegando ao alcance de sonhos, há momentos que nem palavras, afagos ou a lua podem lhe trazer a paz. Fato que fiquei ao seu lado, mesmo que sentindo-me de mãos atadas.

Ela parecia absorta nos próprios pensamentos. Eu observando-a. Eu mal a conhecera mas estava sentado, ao seu lado, fazendo um esforço sobre humano para trazer a calma de sua angústia. Cessar esse sentimento que misturava vazio e tristeza.

Virei-me em sua direção, e sua atenção foi desviada para a minha. "Uma casa em ruínas é apenas a confirmação de que temos de procurar um novo lar. Deixe o resto disso ao pó. Ele saberá o que fazer".

Seu semblante pareceu mudar levemente. "Mas e a cicatriz?", perguntou. E eu sorri rapidamente pela pergunta preocupada. "É a prova de que, ao contrário das casas, somos capazes de nos refazer, sua boba". Ela riu com minha maneira de falar.

Levantei-me da escada e estendi um dos meus braços a ela: "Não diga nada", é hora de tirarmos aqueles cacos do chão.

Setembro de 2009