sábado, 20 de fevereiro de 2010

Demônios Perpétuos



Foi-se o tempo da infantil inocência de manter os olhos pesados pela madrugada a espera de amanhecer. Como um lutador que vence a noite escura, tendo como medalha a aurora. Adormecendo a luz do sol como celebração.

Perdeu-se as noites de amor invernal, em que o calor após o desejo, se desfazia em cansaço. E os amantes repousavam, lado a lado, nus, o sono dos apaixonados. Prosseguindo nos sonhos o amor que existia em vida.

Hoje caminho pela casa adormecida, enquanto vejo as horas pelos relógios, passando de maneira tão solitária que cada movimento do ponteiro é uma dor para mim. O dia nasce, carros correndo lá fora e donas de casa comprando o pão matinal. Enquanto permaneço em meu estado padrão, crônico.

Há anos não sei o que é dormir o sono dos justos. Perder a idéia do espaço e tempo, abrindo os olhos horas depois. Ao redor nada se paralisa, tudo mantém seu ritmo, mesmo que meu corpo grite quase em letargia.

Mente o homem que afirma que só se vive uma vez. Que o aprendizado primordial é eterno e nunca pode ser subjugado. Nenhuma crença está presa em concreto, mas sim equilibrado em arame farpado.

E, assim, enfrento, todos os dias, meus demônios. Que nada temem. Sendo inútil procurar refúgio ou fuga através de totens. São a sombra presa em meus pés. É enfrentá-los ou morrer.

Tenho me sentido fraco. Acho que todos, em algum momento da vida, perdem o jeito hábil das coisas. Meus acordes no violão não produzem mais efeito, minhas palavras já não saem com expressividade de outrora, tudo que como quer sair pelo lado errado, meu corpo se auto destrói. Minha máquina perfeita foi programada para auto sabotagem.

Sou um doente e devo começar aceitando essa condição. E dia a dia enfrentando os demônios que me assolam. Matando um a um. Primeiro os pequenos vermes, depois aqueles maiores do que mim.

Há um momento limite. Em que a alta velocidade choca-se com os tijolos. O corpo perde a pressão, o coração acelera, seus olhos se sentem cansados, tudo o que se pode pedir é repouso. Em vão.

Deito em minha cama e minha máquina cerebral não para. Faço exercícios para relaxar mas tudo ao meu redor parece pulsar, não consigo entrar dentro de mim. Tenho a vontade extrema de gritar, mas me falta fôlego. Falta-me tudo.

Patética a visão romântica de que as dores são belas. Enquanto o corpo agoniza pedindo repouso, a coordenação perde suas ordem e há cansaço até mesmo para respirar. Não há tempo de admirar a beleza. A beleza da decadência.

Aos poucos, comecei a sentir paixão por qualquer pessoa que dormia. Um desejo de furtar a sensação tão plácida para mim. Mas apenas tenho momentos de agonia em meu colchão, acrescidas de tanto desespero que me fazem levantar e prosseguir mais algumas horas.

Em breve pisarei nos arames farpados. Cairei do cadafalso em desespero, sem saber para onde vou. O relógio conta contra mim. Eu não preciso mais de pílulas, preciso dormir.

Morpheus, perdoe se um dia te maldisse. Tire de sua algibeira o pó das estrelas e sopre em meu rosto. Preciso ter a plenitude do sonho antes de sentir que posso enlouquecer.

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Não esqueço. Nenhum dia. Um demônio por vez. Mas a batalha é dura demais.

domingo, 7 de fevereiro de 2010

Acorrentado




Meu desejo é me tornar um homem reservado. E por essas palavras, entendam alguém cercado por muralhas. Um homem aberto como uma campina aguarda muitos inimigos. E após imensas batalhas, só há o desejo de retornamos as nossas colinas.

Há tantas palavras no silêncio quanto no ruído de onde estive. Mas este silêncio que aprecio sozinho não me machuca, me completa. Não me contradiz causando-me uma gota de ódio.

Quero regressar para dentro de mim. Voltar para meu útero. Tanto tempo se passou, muito desse perdido, em que constei, sem nenhum relógio, que nada mudou. Estou o mesmo homem de outrora e nada que venha para mim, se não meu exílio, me trará conforto.

Um canto de esperança seria somente mais alguns versos que tentaram manter no ar a incerteza de que, no fim, tudo aquilo que virá vira veneno. É disso que pretendo abdicar.

Cego-me como Édipo e prendo-me na parede como Antígona. Que os deuses possam caçoar de mim. Meu martírio é viver eternamente arranhando essas muralhas até que eu consiga libertar-me de mim.

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

Âmago


Eu bem que tentei, Lydia. Fiz o possível para conseguir deixar tudo mais maleável. Falhei. Cedo ou tarde a parede começa a se esburacar novamente. As gotas atravessam por ela, e todo meu trabalho se faz assim: inútil.

Meus olhos se borram de uma ausência de nitidez que não sei lhe explicar. É como se eu soubesse, por instinto, que as cores são pretas, mas tudo que eu posso ver é um amontoado de cinzas. Digo a mim mesmo que meus olhos querem me enganar, mas as cores não voltam ao normal. Nada está como antes.

Tenho esperado, em vão, que alguma ação aconteça. Sentado a beira de um caminho, como bem disse a canção, a esperar. A quem eu espero, Lydia, com tanta dedicação como se fosse um servo?

Vontade de fechar os olhos não me falta. Mas mesmo fechado, a convulsão de pensamentos não para. É um relógio alto e barulhento que me avisa dos segundos.

Ontem, minha família recebeu em casa a visita de um vizinho. Alguém que sumiu há certo tempo, cujos pais pediram aos meus para que eles forneceram ajuda ao rapaz, ajudando-o a se reintegrar na sociedade. Dizem que ele enlouqueceu.

Enquanto meus pais pegavam bebidas na cozinha, eu o vi sentado na sala, com o olhar perdido pela janela, como se não quisesse estar lá. Como se soubesse que o meu pai fazia aquilo por um simples favor, contra a vontade.

Não quero ser esse moço, Lydia. Não quero enlouquecer. Mais deitado na cama, no escuro, achando que as pessoas estão zombando de mim, tenho a impressão de que estou louco. Mergulhado na humanidade sem conseguir sair dela. Eu preciso de paz.

No silêncio, não sei se o que mais me assombra é ausência de barulhos por perto ou os fantasmas que parecem sussurrar nos meus ouvidos. Nenhuma fuga e nenhum calabouço me deixam longe o suficiente desses fantasmas.

Eles me perseguem e me acossam, como fantasmas de anos passados exigindo que eu pague um tributo, que eu lamente toda minha vida pelo passado que enterrei. Estão mortos, Lydia. Os que não estavam, eu tive que matar. Não há mais nada que possa fazer a não ser fazer uma breve vigília e uma reza por seus destinos eternos.

Sei que poderia ter feito de outra maneira, outras milhares delas. Mas não o fiz. Fui incapaz. Então, prossigo, acompanhado os passos que dei, ainda firme. Foi assim que tudo aconteceu, Lydia. Sem uma palavra a mais ou a menos. Não tive outra escolha.

A vela começa a perder sua chama, agora. Não tenho para onde ir se não entregar-me a escuridão. São horas até que o dia amanheça, e muito tempo para agonizar.

8 de Novembro de 2009