sábado, 16 de março de 2013

Histórias de Sarjeta




Ana, a locomotiva

Nunca bati em uma mulher. Exceto Ana. Duas vezes. Ela possuía a - péssima - mania de tomar pico. Na primeira vez que vi ela no chão, rindo abobalhada, achei que era uma overdose. Lhe dei um tapa para que tentasse articular alguma palavra. Na segunda vez, outro tapa, mas era mesmo overdose. O braço começou a ficar inchado e tive de levá-la ao hospital.

Dias depois, fui visitá-la. Olheiras no rosto, uma faixa no braço, morfina - ou algo que ela me disse ser morfina - na veia. "Trouxe cigarros?", me perguntou. "Sua idiota, você quase morreu", pensei, mas respondi apenas não.

Havia um rapaz com Ana no quarto. Tomavam pico juntos, não no quarto, na vida, esclarecendo. Nunca me senti tão incomodado em uma situação. Ela e ele, como se feitos um para o outro. Ana gostava de mim. Eu gostava de Ana. Mas ela era demais. Com Ana, eu precisava ser selvagem, chutar animais e latas pela rua.

Mas sou só um escritor.


Sujinha

Estávamos no terceiro encontro e só tínhamos dinheiro para a condução. O atraso do ônibus e uma chuva torrencial que surgiu me fez convidá-la para minha casa. Após uma toalha para se secar, ela pediu para tomar um banho quente, "não quero ficar resfriada por causa da chuva". Não encontrei maneira de dizer não.

Quinze minutos depois, saiu com um short e uma de minhas camisetas, roupas quase sujas, espalhadas por lá. Fui ao banheiro urinar. Então, eu vi. Era como as três caravelas de Cabral, uma ao lado da outra, boiando no vaso, em destaque.

Voltei à sala. "Vamos beber", me disse. "Não bebo", respondi. "Como você é careta", falou. "Pois é", respondi novamente.

E seu corpo semi nu cobrindo-me enquanto desabotoava seu sutiã não foi o suficiente para retirar aquela imagem de minha cabeça. Eram três, as caravelas de Cabral, boiavam no mar de Portugal.

A Rainha 

Dez anos após a formatura, Carolina não era mais a beleza que guardei na memória platônica. Talvez fora esse o motivo que a fez sair comigo.

Estive naquele restaurante - que custou, aproximadamente, cinco de minhas refeições normais - pela nostalgia e a vontade sexual de, sob os lençóis, reconhecer que mesmo tardiamente a rainha do baile de formatura estava em minha cama.

Mas ela estava feia de dar dó.

16 de Março de 2013

sexta-feira, 15 de março de 2013

O nome de Isaac Asimov é onipresente ao se falar de ficção científica. Reconheço alguns de seus títulos na livraria, principalmente o que contam a história chamada de Fundação, uma de suas melhores narrativas que, dizem meus amigos, foi publicada no país de maneira contrária ao programado. Por isso, além da trilogia, é necessário ler mais alguns livros antes e depois para conhecer toda a história

Comprei um livro de ensaios do autor chamado Do Início ao Fim, para começar os estudos para minha monografia. Escolhi analisar O Jogo do Exterminador, de Orson Scott Card, e realizar uma análise geral de sua história. O futuro de uma suposta Terra invadida por alienígenas, a dominação do governo com regras rígidas a ser cumpridas, e a relação entre povos e a falta de comunicação entre eles que gera o choque mais definitivo na história.

Escolhi começar com os ensaios de Asimov por ser um escritor que todos afirmam ser excelente prosador em qualquer assunto que caia em sua mão. Nesse livro em questão, o autor reúne diversos ensaios dispersos tendo como tema central a evolução da narração científica.

O prefácio curto é uma apresentação deliciosa. Asimov explica sua compulsão em escrever, enumerando os motivos que o levam a refletir sobre assuntos diversos. Conversa diretamente com o leitor novato dizendo que seu estilo é composto por uma camada de cordialidade e, caso o leitor não goste, que pare de ler o livro. Como escritor, ele prefere perder um lucro da venda do livro do que entristecer um leitor. Assim, brevemente, expõe sua relação com seus leitores de maneira íntima.

O livro é divido em três partes. Passado. Presente. Futuro.

No primeiro artigo de Passado, Asimov relembra a personagem Cirrano de Bergerac, afirmando que a personal real que existiu era tão excitante quanto a personagem de Rostand. Mas os livros a respeito deixaram de lado um elemento importante em sua história. Bergerac seria um dos primeiros a escrever uma história de ficção científica, que foi descoberta após sua morte e, assim, publicada na íntegra.
Era uma época antes de Newton, antes de postulações e, em seu romance, o autor descreve maneira de se chegar a lua. Seis delas sao absurdas, talvez conveniente com uma época em que nada se sabia, além de acreditar que entre o céu e a lua existia correntes de ar. Porém, a sétima questão, grifa Asimov propunha colocar em um veículo foguetes. Sem saber, Bergerac compreendeu por intuição a força que um foguete promoveria e que poderia chegar a lua.

O prmeiro capitulo é só uma pequena ponderação, mas traça com certo interesse o começo de uma jornada na ficção científica.


segunda-feira, 11 de março de 2013

Café Instantâneo



Toda quinta – feira, e em nenhum outro dia, venho tomar café da manhã nessa padaria. Sou um dos primeiros clientes do dia, de modo que já estou instalado em minha mesa preferida quando a vejo atravessar a rua rumo ao local. Normalmente, a espero para pedir um café. Como se em silêncio, e em seus lugares, tomássemos em companhia mútua.

Usa cabelos presos de uma maneira que pequenos fios caiam na frente quanto atrás dos ombros. Sua cor preferida é azul, sempre a vejo com adornos ou roupas dessa cor. Ou pode ser um sistema, utilizar azul todas as quintas-feira. Recomendação do horóscopo, da televisão, de quem quer que seja.

Senta-se de maneira perfeita, sem arquear as costas. Na cadeira da frente deixa a bolsa. Deduzo que não espera ninguém. Quando tira o casado revela uma roupa sem mangas que deixa o braço nú. Enquanto se movimenta para abrir o jornal vejo o movimento de seus músculos. É magra, mais baixa que minha estatura de um metro e setenta e cinco. Não consigo não ter simpatia por essa mulher.

Se por ventura nossos olhos cruzam, trocamos cordialidades. Digo Olá e recebo seu sorriso de voltar. Somos cúmplices nesse café da manhã. Há semanas que observo em seu gesto uma angústia maior que a felicidade. Quando chega o café expresso voltamos a complentar a si mesmos. Ainda que meu pensamento permaneça no sorriso. Deixaria minha vida naquelas mãos em um suspiro.

Está com sapatilhas vermelhas, jeans bem acentuado ao corpo e blusa azul. Ela olha para mim e ergo minha xícara desejando saúde. Tenho a impressão que ela me lembra alguém que já esqueci. Por isso a sensação de empatia. A moça do café me lembra de uma mensagem dentro de uma garrafa que precisa ser decifrada.

Enquanto escrevo estas anotações, ela me observa. Os olhos parecem pares dos meus. Ela é uma figura que, apenas por algumas horas, deixa meu norte mais para leste. Me apaixono por ela todas as quintas pela manhã e, a tarde, o mundo encontra novamente o equilíbrio.