sábado, 23 de janeiro de 2010

Pétalas Sobre o Túmulo


Pensei em um título evocando a morte. Um ponto de partida que sempre eleva a história e lhe traz peso. Refleti qual era minha intenção ao misturar candura de pétalas de um flor com as pedras que cobrem um túmulo. O contraste da cena, brilho e aspereza me fizeram começar.

Deveria ser uma composição onde eu expressasse meus sentimentos. Condensando-o em diversas palavras. Seguindo rotas alternativas para não escancarar verdades, muito menos desencavar cadáveres.

A principio, pensei em uma carta, cujo início mostrasse seu destinatário. Apenas uma inicial. Apenas uma possibilidade para que o leitor desvendasse quem era a moça dessas palavras.

Mas havia algo de errado nessas linhas. Soavam artificiais demais e não traziam o alívio que eu esperava ao escrevê-las. Inquieto, caminhei pela casa de madrugada, olhei-me no espelho vendo poucas cicatrizes, tomei uma dose de remédios, um copo d´agua e voltei para a capa, com a esperança de serenidade.

A tortura estava dentro de mim, como o sangue. Se quisesse obter minha própria paz, eu teria de desvendá-la. Em minha leituras recentes, me disseram que um homem não pode projetas duas dores naquela com que se compartilha os lábios. Aqueles que te beijam de volta. Devemos ser capazes de frear as feras que de dentro nos arranham.

E eis que aqui estou. Observando a imagem de pétalas sobre um túmulo, tentando descobrir o que há de tão perturbador nesses simbolos.

Na terra, se não há um morto enterrado ali, o túmulo sou eu. Um homem frio e fechado em sua claustrofobia. Sem medo da luz, mas confortável na escuridão. Na minha visão romântica, as pétalas seriam ela. Um fino toque sobre a superfície imperfeita da tumba. O detalhe dissonante com o resto da cena agônica.

De olhos fechados tentei recriar, a partir das rosas, seu semblante. Porém, por causa da densa madrugada que adentrava pela janela e meus músculos que perdiam a retidão pelo calmante, não pude imaginá-la por completo. Essa imagem em devaneio, ainda assim, tocava meu coração.

Eu teria de compreender porque pétalas caiam sobre meu túmulo enquanto meu coração estava vivo, mesmo quando a noite parecia engoli-lo. Se eu fosse um homem religioso, faria preces. Mas parti do princípio de que seria capaz de resolver meus enigmas. Nem que eles custassem minha alma.

Cheguei a uma pergunta. Como um movimento tão novo era capaz de causar extensa ruptura? Como espaços vazios de mim me trouxeram esta tortura longe da razão, centrando-se aqui, dentro do peito.

As linhas finas foram quebradas. O caos e a criação brincavam no jardim. Tudo que eu queria eram seus braços, tudo que eu tinha nessa noite eram abraços partidos.

Bauru, 9 de Janeiro de 2010

sábado, 16 de janeiro de 2010

Espirais




As balas estavam novamente no tambor. Eu faria de novo. E de novo, de novo, mais uma vez. Como a velha história que nos contam que a carne corrompida jamais se fecha novamente.

O gatilho sempre tem seu peso, não alivia com um, dois, mil disparos. Acostuma-se apenas. O sangue que tinge as paredes, não. Esse me faz prender a respiração para não devolver o almoço.

O metal frio agindo com a cabeça quente, querendo aproximação. Deixar tudo morno. Os cabelos perdendo o friso por causa da violência, ainda exalando perfume doce. Eu a coloquei ali.

Nem amarras, nem prisões. Um lugar tecido especialmente para ela, em que há pouco ela pareceu sorrir. Não mais. Era hora do show. Fazer o que sei de melhor e dar lhe um pouco de minha agonia. O cano era só parte de mim. O que eu havia preparado era mais venenoso que uma bala que adentra as entranhas, era corrosivo.

Seus olhos vislumbravam um estranho, não o homem que ela achou conhecer. Os meus estavam repleto de dor e arrependimento, mas uma vez que segurei este revolver, deveria saber que ele seria parte de minha artilharia.

Retirei a arma de sua cabeça, sentei-me a sua frente e a observei. Olhar dividido em compassos. Imaginar que não está acontecendo, depois pensar que é sonho, concluir que a realidade punge e deixar que as lágrimas escorressem dos olhos.

Eu não era feliz com aquilo, nunca fui. Só aceitei a condição que impus a mim mesmo, tempos atrás. Era como sentar-se em uma almofada fofa, daquelas que se vêem em comerciais de alta classe na televisão. Tem-se a impressão de que são perfeitas, mas logo o corpo se afunda e a força para levantar nos falta.

A respiração era rápida e cortava o silêncio do galpão. Eu a observava como quem observa um animal dentro da jaula, admirado, sem nada dizer. Ela era linda, vestia rosa, tinha cabelos longos, olhos sensíveis e puros, sorriso amplo e um dente prostrado um pouco mais a frente que o habitual. O corpo desenhava-se bem.

Na televisão, as pessoas pedem que seja indolor. Mas é algo que não posso fazer. Simplesmente e pronto. Eu tinha que te matar aos poucos em dosagens curtas, te rasgar e sugar seu sangue, é o que sou.

Olhos fixos em seu rosto, braços arquejados segurando a pistola. O som estalou em meus ouvidos e ecoou pelo galpão, o final ou prenuncio de uma melodia.

Abandonei-a sangrando, ainda viva, mas sem coração. Dei passos para fora e, antes de sair, deixei o pouco da bondade que me restava naquela bala. Cuspi os pedaços que restavam da minha alma e de meu coração antes de chegar na porta e esperei que os buracos dessem vaão a agonia que eu tanto lhe causei. Ela estava livre.

31 de Novembro de 2009

quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

Doces e Amargos



Haviam versos ao contrário. Mudaram a ordem de minhas palavras e fizeram de mim o que não sou. Aqueles olhos agudos de vigia disseram-me que seria minha salvação. Meu evangélico redentor. Escrevi sem parar com a cabeça baixa, com medo de seu sorriso de chumbo.

Mudaram os contatos, os brancos e os pretos, os lugares comuns. As putas liam o evangelho, e os padres blasfemavam na porta da igreja. Meu desejo era estar alucinado, mas eu não sabia. O caldo que me davam todas as tardes como alimento não supria minhas necessidades. Somente as folhas que me obrigavam a escrever seriam minha paz.

Esforcei-me em vão. Entreguei minha alma ao diabo sem perceber o peso da negociação. Tenho mãos doloridas e sujas de tanto escrever, mas sem alma dentro delas. Não há mais o que contar. Dentro de mim há uma tempestade. Lá fora há sol e morro de frio.

Novembro de 2009

domingo, 3 de janeiro de 2010

O Lutador



Disseram-lhe que só a vida poderia lhe vencer. Mas quando seus olhos demoram a buscar o foco em um ponto fixo, ele pensa que erraram. A dor lhe cobre como espinhos que ele tenta curar com doses de aspirina. Cartelas que acumulam-se no lixo, dores que voltam a sua porta, sem dó.

Desperta fazendo exercícios matinais, mas o corpo não é o mesmo. É como uma tortura sentir os músculos se deslocando. Um penitente que carrega carga demais. Toma banho, prepara café, e sentando em sua poltrona, espera algo enquanto liga a televisão.

Abre a janela de casa observando o movimento, quase que remoto, de sua rua. Revê as mesmas revistas quando para no banheiro, agora só admira as figuras, pelo simples gesto de fazer mais alguma outra atividade que distraia sua cabeça, tire a atenção momentânea de suas dores.

A tarde, junta as mãos nos olhos, cansado. Velho. Reflete que o mundo não é como antes. Lembra-se da noite passada com imprecisão por causa dos remédios. Não se lembra quando deitou e pode dormir sem estar cansado.

Todos os dias ele permanece atento tentando se lembrar. Qual foi a hora do gancho, a hora do erro, o desfecho final, a contagem regressiva. Teria de haver um momento, mesmo que não lembrasse. Um momento escondido em suas entranhas que lhe significaria tudo e revelaria seu vazio.

Não se sabe a que hora da vida lutou e perdeu, quando seu último golpe foi o primeiro passo de seu azar.

Bauru, Domingo, 3 de Janeiro de 2010.