sábado, 16 de janeiro de 2010

Espirais




As balas estavam novamente no tambor. Eu faria de novo. E de novo, de novo, mais uma vez. Como a velha história que nos contam que a carne corrompida jamais se fecha novamente.

O gatilho sempre tem seu peso, não alivia com um, dois, mil disparos. Acostuma-se apenas. O sangue que tinge as paredes, não. Esse me faz prender a respiração para não devolver o almoço.

O metal frio agindo com a cabeça quente, querendo aproximação. Deixar tudo morno. Os cabelos perdendo o friso por causa da violência, ainda exalando perfume doce. Eu a coloquei ali.

Nem amarras, nem prisões. Um lugar tecido especialmente para ela, em que há pouco ela pareceu sorrir. Não mais. Era hora do show. Fazer o que sei de melhor e dar lhe um pouco de minha agonia. O cano era só parte de mim. O que eu havia preparado era mais venenoso que uma bala que adentra as entranhas, era corrosivo.

Seus olhos vislumbravam um estranho, não o homem que ela achou conhecer. Os meus estavam repleto de dor e arrependimento, mas uma vez que segurei este revolver, deveria saber que ele seria parte de minha artilharia.

Retirei a arma de sua cabeça, sentei-me a sua frente e a observei. Olhar dividido em compassos. Imaginar que não está acontecendo, depois pensar que é sonho, concluir que a realidade punge e deixar que as lágrimas escorressem dos olhos.

Eu não era feliz com aquilo, nunca fui. Só aceitei a condição que impus a mim mesmo, tempos atrás. Era como sentar-se em uma almofada fofa, daquelas que se vêem em comerciais de alta classe na televisão. Tem-se a impressão de que são perfeitas, mas logo o corpo se afunda e a força para levantar nos falta.

A respiração era rápida e cortava o silêncio do galpão. Eu a observava como quem observa um animal dentro da jaula, admirado, sem nada dizer. Ela era linda, vestia rosa, tinha cabelos longos, olhos sensíveis e puros, sorriso amplo e um dente prostrado um pouco mais a frente que o habitual. O corpo desenhava-se bem.

Na televisão, as pessoas pedem que seja indolor. Mas é algo que não posso fazer. Simplesmente e pronto. Eu tinha que te matar aos poucos em dosagens curtas, te rasgar e sugar seu sangue, é o que sou.

Olhos fixos em seu rosto, braços arquejados segurando a pistola. O som estalou em meus ouvidos e ecoou pelo galpão, o final ou prenuncio de uma melodia.

Abandonei-a sangrando, ainda viva, mas sem coração. Dei passos para fora e, antes de sair, deixei o pouco da bondade que me restava naquela bala. Cuspi os pedaços que restavam da minha alma e de meu coração antes de chegar na porta e esperei que os buracos dessem vaão a agonia que eu tanto lhe causei. Ela estava livre.

31 de Novembro de 2009

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