segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

Âmago


Eu bem que tentei, Lydia. Fiz o possível para conseguir deixar tudo mais maleável. Falhei. Cedo ou tarde a parede começa a se esburacar novamente. As gotas atravessam por ela, e todo meu trabalho se faz assim: inútil.

Meus olhos se borram de uma ausência de nitidez que não sei lhe explicar. É como se eu soubesse, por instinto, que as cores são pretas, mas tudo que eu posso ver é um amontoado de cinzas. Digo a mim mesmo que meus olhos querem me enganar, mas as cores não voltam ao normal. Nada está como antes.

Tenho esperado, em vão, que alguma ação aconteça. Sentado a beira de um caminho, como bem disse a canção, a esperar. A quem eu espero, Lydia, com tanta dedicação como se fosse um servo?

Vontade de fechar os olhos não me falta. Mas mesmo fechado, a convulsão de pensamentos não para. É um relógio alto e barulhento que me avisa dos segundos.

Ontem, minha família recebeu em casa a visita de um vizinho. Alguém que sumiu há certo tempo, cujos pais pediram aos meus para que eles forneceram ajuda ao rapaz, ajudando-o a se reintegrar na sociedade. Dizem que ele enlouqueceu.

Enquanto meus pais pegavam bebidas na cozinha, eu o vi sentado na sala, com o olhar perdido pela janela, como se não quisesse estar lá. Como se soubesse que o meu pai fazia aquilo por um simples favor, contra a vontade.

Não quero ser esse moço, Lydia. Não quero enlouquecer. Mais deitado na cama, no escuro, achando que as pessoas estão zombando de mim, tenho a impressão de que estou louco. Mergulhado na humanidade sem conseguir sair dela. Eu preciso de paz.

No silêncio, não sei se o que mais me assombra é ausência de barulhos por perto ou os fantasmas que parecem sussurrar nos meus ouvidos. Nenhuma fuga e nenhum calabouço me deixam longe o suficiente desses fantasmas.

Eles me perseguem e me acossam, como fantasmas de anos passados exigindo que eu pague um tributo, que eu lamente toda minha vida pelo passado que enterrei. Estão mortos, Lydia. Os que não estavam, eu tive que matar. Não há mais nada que possa fazer a não ser fazer uma breve vigília e uma reza por seus destinos eternos.

Sei que poderia ter feito de outra maneira, outras milhares delas. Mas não o fiz. Fui incapaz. Então, prossigo, acompanhado os passos que dei, ainda firme. Foi assim que tudo aconteceu, Lydia. Sem uma palavra a mais ou a menos. Não tive outra escolha.

A vela começa a perder sua chama, agora. Não tenho para onde ir se não entregar-me a escuridão. São horas até que o dia amanheça, e muito tempo para agonizar.

8 de Novembro de 2009

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