terça-feira, 6 de abril de 2010

Fragmentos do Tempo


Ela me perguntou o que fazer com os cacos quebrados. "Faça um vitral", eu disse. Crie um relicário desse amor, como cinismo do enredo, para que não esqueça que estes pedaços, outrora inteiros, fizeram parte de ti.

Os olhos tornaram-se mais profundos, prévia de lágrimas, me dizendo que as pontas afiadas cortavam. "Tudo machuca", respondi. "Eis a façanha de ser mortal, mas mutável. A pele ajusta aos cortes e, em pouco tempo, passam". E, sem jeito, segurei uma de suas mãos pela primeira vez e beijei as pontas, como quem beija carinhosamente uma criança.

Em meu braço mostrei minha cicatriz, "feita em tempos em que machucar era minha punição".
Hoje é quase imperceptível. Se não olho para meu corte, passaria tempos sem lembrar. Sua reação manteve se a mesma.

Meu lamento era que, mesmo que o desejo fosse alto, chegando ao alcance de sonhos, há momentos que nem palavras, afagos ou a lua podem lhe trazer a paz. Fato que fiquei ao seu lado, mesmo que sentindo-me de mãos atadas.

Ela parecia absorta nos próprios pensamentos. Eu observando-a. Eu mal a conhecera mas estava sentado, ao seu lado, fazendo um esforço sobre humano para trazer a calma de sua angústia. Cessar esse sentimento que misturava vazio e tristeza.

Virei-me em sua direção, e sua atenção foi desviada para a minha. "Uma casa em ruínas é apenas a confirmação de que temos de procurar um novo lar. Deixe o resto disso ao pó. Ele saberá o que fazer".

Seu semblante pareceu mudar levemente. "Mas e a cicatriz?", perguntou. E eu sorri rapidamente pela pergunta preocupada. "É a prova de que, ao contrário das casas, somos capazes de nos refazer, sua boba". Ela riu com minha maneira de falar.

Levantei-me da escada e estendi um dos meus braços a ela: "Não diga nada", é hora de tirarmos aqueles cacos do chão.

Setembro de 2009

Um comentário:

Ba. disse...

lindo como sempre, né.
amei, amei muito esse *-*